quarta-feira, 2 de abril de 2008

CLEARLY NON-CAMPOS

Álvaro de Campos

“Não sei qual é o sentimento, ainda inexpresso,
Que subitamente, como uma sufocação, me aflige
O coração que, de repente,
Entre o que vive, se esquece.
Não sei qual é o sentimento
Que me desvia do caminho,
Que me dá de repente
Um nojo daquilo que seguia,
Uma vontade de nunca chegar a casa,
Um desejo de indefinido.
Um desejo lúcido de indefinido.

Quatro vezes mudou a 'stação falsa
No falso ano, no imutável curso
Do tempo conseqüente;
Ao verde segue o seco, e ao seco o verde,
E não sabe ninguém qual é o primeiro,
Nem o último, e acabam.”

CLEARLY NON-LÍVIA

Será que é possível se desfazer daquilo que compõe nossa verdadeira essência? E como contrariar essa essência sem seqüelas? E porque necessariamente, viver de acordo com um sistema deve ser negar essa essência? Qual é o verdadeiro limite entre idealismo e realidade e ate que ponto esses dois modos podem conviver sem passar um por cima do outro?

É possível ser artista e ter uma mente sadia... confortável? É possível ser artista e querer dormir 8 horas todas as noites? É possível ser verdadeiro com a arte sem abrir mão de boa parte da vida? Deveria ser, pelo menos segundo o desejo daqueles que só assistem... Mas olhando de dentro, percebo que muito se perde nessa conciliação, na necessidade de satisfazer determinados padrões pré-estabelecidos. E o que é o artista além de alguém destinado a romper os padrões? A ampliar os horizontes? A mostrar um novo modo de ver e viver a vida?

Estou estreando uma peça, minha peça de formatura, a realização de um sonho, na quinta-feira. E a verdade é que, há um mês, eu não me sentia capaz de estrear. Tive uma crise de ansiedade e travei. Travei mesmo. Não tinha vontade de ensaiar, impensável... Tinha muito a provar para todos, mas principalmente para mim mesma. Provar que era capaz, equilibrada, madura, formada, e “normal”. Minha autocrítica era cruel demais para permitir que eu fizesse qualquer coisa e as críticas, mesmo que certas, eram duras demais para o que eu agüentava ouvir. Coloquei a culpa na escola, no diretor, na peça, em mim, e cheguei a pensar em parar... talvez não fosse para mim...

E hoje, após uma reflexão profunda, horas de terapia e a peça montada, descobri que na verdade eu tentava fazer o caminho de volta para a minha essência de artista, que estava se perdendo... engolida pela vida diária e por promessas de um mundo que não me pertencia.

Ao voltar a ESTAR PRESENTE no palco, redescobri o porque de ter lutado tanto para chegar onde estou hoje. Lembrei o porque de ter deixado para trás família, amigos, amores, cidade, redescobri aquela necessidade visceral de estar em cena. Aquele desejo quase orgânico de transcender no palco, de ensaiar todos os dias, de cuidar da personagem, de CRIAR...e de ser CRIADA, ao mesmo tempo, dessa força maior que é meu motivo de existir.

Pensando nisso tudo, me lembrei também daquelas noites sem dormir, quando eu estava no meu quarto, em Minas, provavelmente antes de alguma prova de física, ou matemática, e eu via na minha frente, um mundo completamente diferente e necessário, onde enxergar e ouvir tinham amplitudes muito maiores... e onde existir tinha um significado pleno. Quando eu me revirava na cama pensando que a minha vida seria completa se eu fizesse teatro.

E aqui estou... e finalmente! Realizando sonhos... construindo imagens... mas principalmente, lutando para não perder minha essência. Grata por tudo o que tenho mas com um eterno vazio que precisa de arte para ser preenchido...





Um comentário:

Unknown disse...

Nossa, Lih, que texto mais lindo.
Quero que saiba que estou feliz e muito orgulhosa por vc e pela sua formatura... e por ver a cada dia que vc pode se superar e ficar cada vez melhor.
Finalmente, verei uma peça sua, e será a sua formatura! Quero que saiba que é extremamente normal e saudável o questionamento da vida, mas nada melhor do que viver a arte que ela nos propicia todos os dias.
Parabéns, seja feliz, seja artista, seja o que quiser...

Estarei com vc! Um bjo gostoso, saudades...